quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Oficina proporciona sanidade em cores


Sobre o trabalho de nossa sócia arteterapeuta e  psicóloga Barbara Neubarth, e sua equipe do HPSP.

Daiane de David, especial JC
FREDY VIEIRA/JC

Projeto ensina arte a pacientes e frequentadores do Hospital São Pedro

Projeto ensina arte a pacientes e frequentadores do Hospital São Pedro

“Quando eu for famoso, esses quadros vão custar caro”, avisa Michael Cruz, enquanto mostra, orgulhoso, as pinturas que fez dentro da Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro, na Capital. Ele é um dos beneficiados pelo projeto criado em 1990 com a finalidade de encontrar, na atividade artística, uma alternativa de tratamento para aqueles que sofrem algum tipo de transtorno mental.

Pintura, bordado, colagem e escultura são algumas das técnicas utilizadas no projeto, que funciona de segunda a sexta, sempre pela manhã, no antigo pavilhão cirúrgico da instituição. No local, profissionais e estudantes das áreas de Psicologia e de Artes Visuais atendem a moradores do complexo psiquiátrico, clientes do ambulatório e grupos das comunidades do entorno. 

A psicóloga Barbara Neubarth, coordenadora e cofundadora do projeto, explica que o modelo de trabalho é inspirado nos ensinamentos da psiquiatra alagoana Nise da Silveira, falecida em 1999. “A arte permite tu botares os fantasmas que te atormentam no papel e olhar para eles ao invés de ficar com aquilo dentro de ti. A Nise chamava isso de despotencializar”, esclarece Barbara.

Entretanto, nem sempre esse tipo de atividade foi entendida como um suporte de expressão e um meio capaz de propiciar convívio social e acolhimento dentro do contexto da doença mental. Houve um tempo, principalmente antes das décadas de 1980 e 1990, em que a arte era vista como uma mera atividade de ocupação. 

Com o passar dos anos, essas concepções foram relativizadas. “Diversos estudiosos da Psicologia e da Psicanálise sempre viram nesse campo possibilidades interessantes. Freud dizia que a arte ajudava a pessoa a sublimar, Jung falava da questão de trazer um germe criador, e Lacan afirmava que a arte não acaba com o vazio, mas ajuda a contorná-lo”, resume Bárbara. A experiência permite que o indivíduo em sofrimento aprenda a dominar diversos materiais, como a fluidez da tinta e a rigidez do lápis, podendo transpor esse conhecimento para situações do dia a dia. 

Na oficina do São Pedro, as pinceladas que contornam o vazio da mente são marcadas por histórias emocionantes como a de seu João, que morou no complexo manicomial gaúcho e obteve alta cerca de dez anos atrás. Após conhecer a oficina em 2011, o ex-interno ficou muito entusiasmado com as tintas e cores, mas também com receio de retornar ao local e ficar preso. Com a garantia de ir e vir assegurada, João não parou mais de pintar. Hoje, além da oficina, ele também frequenta aulas de cerâmica do Instituto de Artes da Ufrgs.

Entre a vontade de reconhecimento de Michael, citado no início do texto, e a superação de angústias do seu João existem infinitas possibilidades criadas pela arte. Para a professora do curso de Psicologia da Ufrgs Tania Mara Galli Fonseca, que possui pesquisas relacionadas às obras da oficina, a arte serve para mostrar que há mais coisas sobre a realidade da doença mental: “Nossa tentativa não é apagar a diferença, mas dizer que, quando colocadas numa situação de livre expressão, essas pessoas demonstram fortes potências de vida e de crítica dentro da impotência que a loucura instala nelas”.


Memória da loucura


Há mais de duas décadas, a Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro armazena os trabalhos produzidos por seus pacientes. Para organizar e catalogar o material, o projeto conta com a ajuda, desde 2001, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através das professoras Tania Mara Galli Fonseca, do curso de Psicologia, e Blanca Brites, do curso de Artes Visuais. 

As duas docentes possuem projetos de pesquisa ligados ao acervo. Deste trabalho, já resultaram exposições e diversas publicações, entre livros e artigos acadêmicos. “Nós fazemos atividades de extensão, organizamos mostras, trazemos outros artistas. O trabalho não se restringe somente ao São Pedro”, explica Blanca. De 16 a 30 deste mês, aliás, ocorre uma exposição com obras dos pacientes no saguão do Hospital São Lucas da Pucrs. “Nós consideramos o acervo como sendo patrimônio cultural do Rio Grande do Sul. É uma memória da loucura, porque os pacientes que fizeram esse trabalho vieram de vários lugares do Estado”, ressalta Tania.

JORNAL DO COMÉRCIO
Artes visuais
Notícia da edição impressa de 10/10/2012

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